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O papel da escola no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes

O papel da escola no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes

Pouca gente sabe, mas o 18 de maio é o Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Tema delicado, mas importante de ser falado e enfrentado às claras, sem tabus. Afinal, segundo dados do Ministério da Saúde, divulgados em maio desse ano, o abuso sexual de crianças e adolescentes em nosso país apresenta números assustadores.

De acordo com um boletim divulgado, agora em 2023 pelo Ministério da Saúde, o Brasil teve, ao longo de sete anos (de 2015 a 2021), 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes notificados. Isso corresponde a praticamente 80 casos registrados por dia.

Desse total, 83.571 (41,2%) dos casos de violência foram contra crianças (0 a 9 anos) e 119.377 (58,8%) praticados contra adolescentes (10 a 19 anos). Os números também mostram que as meninas são as principais vítimas e que os agressores são, em geral, homens.

Jean Von Hohendorff, psicólogo, mestre e doutor em Psicologia, professor, pesquisador e coordenador do grupo de pesquisa VIA Redes (Violência, Infância, Adolescência e Atuação das Redes de proteção e de atendimento), diz que outro ponto importantíssimo a se ressaltar é que esse agressor, na maioria das vezes, é alguém próximo da vítima: “As pessoas costumam falar “cuidado, não fale com os estranhos”, mas precisamos estar atentos com as pessoas próximas, com as conhecidas e que são, muitas vezes, da família. Pais, padrastos, tios, avôs, primos, vizinhos, amigos. Os números mostram que são elas que cometem a violência sexual. Essa pessoa que já possui uma proximidade, um vínculo afetivo e de confiança com a criança, ela se aproveita desse vínculo para chegar perto, conquistar a confiança da criança e aí comete a violência sexual que inclusive, nesses casos, tende a ser continuada”, alerta Jean.

Para Andrea Alencar, psicanalista, analista junguiana, mestre em Intervenção Psicológica no Desenvolvimento e na Educação, com mais de 20 anos de experiência em escolas, seja coordenando, dirigindo ou mesmo dando aula, o papel da escola se faz ainda mais importante nesse contexto citado por Jean. Isso porque, como a família e a escola são os núcleos onde a criança passa mais tempo e se sente (ou pelo menos deveria se sentir) mais segura, se em casa ou no convívio familiar tem um agressor cometendo violência sexual contra ela, é então na escola o ambiente onde ela pode encontrar essa proteção, essa escuta e essa ajuda. “Costumo dizer que informação é prevenção. Por isso, Educação Sexual é a melhor resposta para prevenirmos os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. É muito comum relatos de casos que foram denunciados após essa criança, esse jovem ter tido aula de Educação Sexual porque assim ela se dá conta de que aquilo que vinha acontecendo com ela é uma violência sexual e fala, se encoraja a denunciar”, diz Andrea, que é também uma das coordenadoras do curso de pós-graduação do Centro de Estudos Junguianos Analistas Associados (CEJAA).

Em muitos casos, essa criança ou adolescente vítima de violência sexual não fala o que aconteceu, tem medo. Até porque o agressor costuma ameaçar, dizer que vai fazer algum mal aos pais, caso a criança conte, ou ela simplesmente tem medo de não ser acreditada em sua denúncia, já que o agressor é alguém tão próximo da família. Porém, mesmo sem falar, essa criança, esse adolescente, pode dar alguns sinais. O comportamento muda. Ela pode ficar mais calada, retraída, querer se isolar, se mostra mais ansiosa, inquieta etc. E aí, mais uma vez, a importância da escola se faz presente. “Sabemos que não é um tema simples e que ainda existe muito tabu e requer cuidado, sensibilidade e uma estratégia pedagógica adequada, mas a falta de um diálogo claro contribui para manter crianças e adolescentes vulneráveis e mal-informados sobre seu corpo, sua intimidade e sua sexualidade. As escolas têm diversas formas de abordar esse tema tão atual e necessário, principalmente na disciplina socioemocional, onde os alunos estão mais abertos a trazerem opiniões e experiências de vidas sobre os assuntos ali tratados. É importante criar um ambiente seguro, um ambiente de respeito, empatia e confiança que propicie, encoraje essa criança, esse jovem a falar”, afirma Mariana Freitas, coordenadora pedagógica da Escola Start, no Rio de Janeiro.

Segundo ela, é importante que toda a comunidade escolar, todas as pessoas, desde a direção, coordenação, orientação, funcionários, psicólogos e demais membros da comunidade escolar estejam envolvidas neste diálogo porque é um assunto, uma realidade que diz respeito a todos que estão direta ou indiretamente ligados aos alunos. “Ao envolver toda a comunidade escolar, cria-se uma rede de proteção mais abrangente, na qual os alunos podem confiar e buscar ajuda. O trabalho conjunto e colaborativo é fundamental para promover um ambiente seguro, saudável e livre de abuso sexual”, diz Mariana.

E, como bem lembra o psicólogo Jean Von Hohendorff, uma vez que a escola note, suspeite de que essa criança/esse adolescente pode estar sofrendo violência sexual, ela tem que notificar o Conselho Tutelar. “Diante da suspeita ou da confirmação, é obrigatória a notificação, conforme diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no artigo 13. Não é uma escolha notificar ou não. É uma obrigação. A notificação tem o objetivo de proteção”.

Segundo ele, é comum que as escolas/os professores tenham dúvidas e receios sobre essa notificação. “Isso acontece, em grande parte, pelo desconhecimento sobre o assunto e pela falta de articulação dos serviços de proteção. É imprescindível que as escolas trabalhem em parceria com os Conselhos Tutelares para o enfrentamento da violência”.

A importância da Educação Sexual

Sim, toda a comunidade escolar deve estar preparada para a intervenção em casos de violência. Psicólogos, professores, direção, coordenação. Para isso, capacitação no tema, cursos, rodas de conversa, informação, sempre. Tanto para poderem identificar quanto para poder lidar/abordar o tema da melhor maneira possível, seja com o grupo, seja individualmente, com a criança/adolescente que esteja passando por isso.

Mas, para além do papel de identificação e de denúncia, as escolas também podem ajudar a prevenir os casos de violência sexual trazendo o tema para o dia a dia da escola, de forma natural, sem medos ou tabus. Nesse contexto, é imprescindível que se tenha aula de Educação Sexual nas escolas.

Para Rafael Rodrigues, psicólogo clínico, analista junguiano, palestrante, professor e um dos coordenadores do curso de pós-graduação do CEJAA, quanto mais cedo falar sobre o assunto com a criança, melhor. “A partir dos 2 anos e meio, três anos, já é possível começarmos a falar para a criança que o corpo dela é dela, que ninguém pode mexer aqui ou ali, que ela precisa falar se pode tocar ou não, ensinar quais são as partes íntimas. Claro, isso é abordado de forma tranquila, natural. Pode ser numa brincadeira, pode ser no momento do banho, mas é importante falar, nomear e ensinar limites do sim e do não. Até um momento de brincadeira, de fazer cócegas na criança é um momento desse aprendizado. Quando a criança falar para parar, o adulto precisa parar. Isso também é respeitar o corpo da criança. Da mesma forma, não obrigar essa criança a beijar quem quer que seja se ela não quiser. Isso também é mostrar à criança que você respeita seus limites e a ouve. E na escola, ensinar, sim sobre Educação Sexual”, afirma Rafael.

Todos os profissionais ouvidos pela Villas Boas para essa reportagem reafirmam a importância de ser ter Educação Sexual nas escolas. “É preciso desmistificar essa ideia de que Educação Sexual é ensinar sobre transar. Educação Sexual é a principal forma de proteção das crianças, é prevenção. Se inicia já ali no primeiro contato da criança com a escola, quando vai se ensinar noções de higiene, conhecimento sobre seu corpo, sobre o que pode e o que não pode em relação ao seu corpo e ao toque, dizendo que ela pode e deve falar quando não gostar. Isso tudo é Educação Sexual”, diz Jean.

Assim como Jean, Rafael cita o mesmo erro cometido pelos adultos e alerta: “É muito comum a gente ouvir dizer para as crianças: “Na rua, não fale com estranhos. Cuidado, é perigoso.” O problema é que as estatísticas mostram que os números de violência sexual contra crianças e adolescentes são cometidos por pessoas do próprio núcleo familiar da vítima, ou seja, o perigo, muitas vezes, está dentro de casa, está dentro do núcleo familiar dessa criança e desse adolescente. Por isso, é ainda mais fundamental que essa criança tenha um mínimo de informação sobre o tema. Só assim ela pode perceber que aquele toque indesejado de um tio, um pai, padrasto, seja lá quem for, é sim um ato de violência sexual”.

De acordo com a pedagoga Mariana, a escola precisa estabelecer parceria e um canal respeitoso de diálogo aberto com as famílias. Esse é o melhor caminho para lidar, inclusive, com as famílias que acham que o tema Educação Sexual não deve ser falado nas escolas: “Organizar reuniões, workshops ou palestras para os pais, abordando a importância da conscientização e prevenção do abuso sexual é um bom caminho. Diálogo, parceria e informação. Mostrar que a escola está comprometida em fornecer um ambiente seguro e saudável para os alunos, sempre”.

E lembre-se: os casos de violência contra crianças e adolescentes devem ser denunciados ao Conselho Tutelar da sua região ou pelo Disque-Denúncia 24h: 100

Por Dani Maia

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