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Celular em sala de aula: usar ou não usar, eis a questão

Celular em sala de aula: usar ou não usar, eis a questão

Não tem jeito. O uso do celular em sala de aula é um tema polêmico. De um lado, uma parcela que é radicalmente contrária porque alega que o celular distrai, dispersa os alunos e que essa geração já vive muito imersa em telas e, pelo menos na escola, tem que evitar. De outro lado, um outro grupo que defende que é preciso fazer um uso consciente das tecnologias e que, portanto, o celular pode e deve ser usado em sala de aula, sim. Claro, com a devida supervisão e direcionamento dos professores para que se tenha um bom aproveitamento pedagógico de seu uso.

Um complicador é que não existe legislação nacional que regulamente a proibição ou a liberação do uso do celular em sala de aula. Fica a critério de cada estado e/ou município ter leis específicas sobre o tema e, quando não há, fica a critério da instituição definir o que acha melhor.

No Rio de Janeiro, no início de agosto desse ano, mais precisamente na segunda-feira, dia 07/08, a prefeitura proibiu o uso de aparelhos celulares durante as aulas da rede municipal de ensino. O decreto foi publicado no Diário Oficial e, segundo consta no texto, demais dispositivos eletrônicos, como tablets, por exemplo, também estão proibidos, tanto em sala quanto em qualquer outro espaço da escola. Porém, se o professor quiser/sugerir o uso do celular para fins pedagógicos, aí sim ele poderá ser usado nesse momento, apenas.

No site da prefeitura, a Secretaria Municipal de Educação informa que a decisão “está em consonância com o recente Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 da Unesco, que aponta que o uso dos aparelhos celulares pode prejudicar a aprendizagem e a concentração” e que a medida “visa evitar distrações e interrupções durante o processo de aprendizagem. Caso haja descumprimento, o professor tomará medidas em sala ou acionará a equipe gestora da unidade”.

Unesco alerta sobre uso do celular em sala de aula

O Relatório da Unesco, agência das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, apontou que o tempo de exposição à tela está associado à piora do bem-estar; menor curiosidade, autodisciplina e estabilidade emocional e até mesmo diagnósticos de depressão e ansiedade nas crianças. O uso dos celulares já é proibido em diversos países, entre eles México, Portugal, Espanha, Suíça, Estados Unidos, Holanda, Letônia e Escócia.

O professor Afonso Celso Teixeira, Secretário Geral do Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio) se diz radicalmente contrário ao uso do celular em sala: “O celular, com a quantidade de atrativos que ele proporciona atualmente, é um fator de distração constante em qualquer pessoa. Com crianças e adolescentes, isso é agravado pela atração que as redes sociais e jogos eletrônicos exercem nessas novas gerações. Há muito tempo, pesquisadores e educadores condenam o uso de celulares em sala de aula pois perceberam os diversos problemas causados desde o avanço dessa tecnologia. A UNESCO também já se pronunciou pela proibição do uso em sala de aula e, apesar de tardia, os educadores de uma maneira geral veem com bons olhos essa medida da prefeitura. É importante lembrar que o decreto se restringe às escolas municipais do Rio, não abrangendo escolas estaduais, federais e particulares”.

Os que defendem também têm bons argumentos

Já Marco Silva, professor-doutor da Faculdade de Educação da UERJ e autor do livro “Sala de aula interativa” (da Edições Loyola) defende veementemente o uso: “Sou mais do que a favor: sou defensor do seu uso didático, responsável e ético na sala de aula da escola básica e da universidade. Convido à formação para esse uso os professores e professoras que temem dispersão, competição, gravação desautorizada de suas aulas e a transgressão da legislação que proíbe o celular na sala de aula. Se a escola não educar as novas gerações para o uso cidadão do smartphone, essa fantástica tecnologia digital estará entregue aos usos banais no cotidiano dos adolescentes. Os usos banais mais comuns são: jogos casuais e passatempo; redes sociais sem um propósito específico, apenas para rolar o feed e se entreter com conteúdo diverso; conversas triviais ou casuais com amigos; verificar notificações sem importância; capturar e compartilhar selfiesmemes e fotos aleatórias. E quanto aos usos cidadãos, os jovens podem lançar mão de seus smartphones para se informar sobre questões políticas, acompanhar notícias relevantes e participar de discussões sobre políticas públicas e questões sociais; para reconhecer e denunciar fake news, para participar de movimentos sociais, protestos e campanhas de conscientização sobre diversas causas, como meio ambiente, direitos humanos, igualdade de gênero, entre outras; para criar e promover negócios sociais e soluções inovadoras para problemas sociais ou da comunidade etc”.

Para a psicóloga Cláudia Melo, seja qual for a decisão, é importante ter clareza e bom diálogo, sempre. “E quando o professor decide usar o celular em sala de aula, ele precisa acordar os combinados e propor a atividade de forma clara e objetiva, com um propósito muito bem definido”, argumenta ela. “O uso deve ser liberado em momentos específicos. E deixar isso claro para os alunos, para a turma de um modo geral. O celular tem muito conteúdo, mas tem também muita distração. Então, precisa de um bom combinando e uma boa explicação, um bom direcionamento para que o aluno consiga cumprir o acordo e de fato faça um bom uso, como propõe o professor para essa atividade”.

Segundo ela, as pessoas têm preocupação com o uso excessivo do celular na sala de aula e isso é legítimo. Mas é bom lembrar que as tecnologias virem para ficar e essas gerações mais novas já nasceram imersas nesse mundo. Então, evitar, impedir é pior. O ideal é fazer o uso correto, direcionado, bem mediado pelos docentes e equipe pedagógica. “Eu penso que é um desafio para a escola, é um desafio para o professor, mas a gente não tem como abrir mão desse uso e das novas tecnologias que vieram para ficar, mas não é simplesmente inserir o aparelho em sala de aula e esquecer que estamos ali. É preciso observar e ver se realmente vale a pena, se esse conteúdo é de suma importância para o aprendizado desses alunos e se está sendo bem conduzido. É importante cada professor fazer essa avaliação, sempre”.

Quem também é contrário a esse uso é o pediatra Daniel Becker. Médico especialista nas questões da infância, há tempos já se posicionava contrário ao uso do celular nas escolas. Em março, escreveu para o jornal O Globo o artigo “Escola é lugar de celular?”, onde abordava o assunto (https://oglobo.globo.com/blogs/daniel-becker/post/2023/03/escola-e-lugar-de-celular.ghtml) e no dia seguinte à publicação do decreto do prefeito Eduardo Paes proibindo o uso de celular nas escolas, postou em suas redes sociais um vídeo (https://www.instagram.com/p/CvqaJRLpudj/?hl=pt) de quase 6 minutos onde elogia a decisão da prefeitura: “Achei muito importante. Afinal de contas, a gente sabe que a paisagem da escola anda mudando: ao invés de correria no recreio, vídeos de TikTok, notificações interrompendo aulas, vídeos sendo assistidos embaixo da carteira, celular usado para colar na prova, a bagunça e a brincadeira na van, na fila do lanche, trocada por silêncios, telinhas, grupinhos excluindo e perseguindo os mais vulneráveis, cyberbullying ao vivo. Essa não pode ser a nova escola. E a gente sabe dos danos do celular no nível individual: distúrbios da atenção, que é uma coisa muito importante, no comportamento, aprendizado, perda de criatividade, irritabilidade, ganho de peso, riscos de golpes e predadores, desafios perigosos que andam ferindo crianças por aí, epidemia de perda do sono e muito mais. Celular é algo que é viciante. Por isso, é preciso de políticas públicas para conter essa epidemia de uso do celular que está fazendo tão mal, que está levando a problemas tão graves que chegam a ponto de automutilação, transtornos de alimentação, transtornos de imagem corporal, internação por causa disso, depressão e suicídio. A escola, gente, a escola é muito mais do que conteúdo. É um lugar para socializar, para se conhecer, para desenvolver empatia, comunicação, capacidade de colaboração, de solução de problemas, de leitura e interpretação de textos mais complexos, de raciocínio crítico, a capacidade de debater, de ter contato com artes, com esportes, com debates, de se abraçar, de brincar e de se relacionar com o coletivo, com o mundo. A presença do celular, seja na sala de aula, seja no recreio, perturba muito a aquisição dessas habilidades sociais, executivas e interpessoais, tanto quanto a aprendizagem de matérias formais. Para o Ensino Médio, a gente pode discutir outras estratégias de limitação do uso celular, mas para o Ensino Fundamental, sou totalmente a favor da radical proibição de celular na escola”, disse de forma bastante enfática.

E na sua escola, pode ou não pode usar celular?

A discussão é boa e muito, muito salutar de ser feita em todas as escolas públicas ou privadas. Os gestores precisam estar atentos a essa questão. Conhecer os argumentos contrários e a favor desse uso é importante. E, se julgar necessário, discutir, debater com a comunidade escolar pode ser um bom caminho, também. Mas, claro, a decisão é feita pela escola e deve ser tomada de acordo com os princípios pedagógicos defendidos pela instituição.

Acesso a todos é importante

Nos que defendem o uso do celular em sala de aula, um ponto é sempre importante: lembrar que vivemos em um país enorme e desigual. Portanto, nem todos os alunos têm a mesma realidade socioeconômica. Na prática, em uma mesma sala de aula, seja de escola pública ou privada, haverá alunos com acesso a celular e demais tecnologias e haverá outros que não terão esse acesso. E se a sua escola libera o uso do celular em sala de aula, você gestor, você professor precisa estar atento a essas diferentes realidades.

“Lembrando que a escola que permitir, liberar esse uso em sala de aula vai precisar promover internet para todos. É preciso estar atento sempre. Esse olhar atento e humanizado para o momento da utilização do aparelho precisa ser uma constante”, defende a psicóloga Cláudia.

Da mesma maneira, o professor Marco afirma: “Caberá à docência lidar com a desigualdade digital, jamais ignorá-la ou se render a ela. No Brasil muitas crianças vivem na precariedade socioeconômica, não têm acesso a smartphones e a conexão 4G, 5G. Em uma turma de 30 ou 40 estudantes, metade ou mais da metade deles podem ser de excluídos digitais. Nesse caso, fica comprometida a liberação do smartphone para o tratamento de qualquer conteúdo curricular. Ainda assim, será preciso não abolir seu uso didático. Se dez alunos de uma turma de quarenta indivíduos dispõem do aparelho conectado, a docência poderá formar dez grupos de quatro integrantes. Isso permitirá o uso compartilhado do dispositivo móvel durante as aulas, permitirá que os alunos trabalhem em grupo, ajudem uns aos outros e compartilhem recursos. Permitirá a experiência de uso didático e cidadão a toda turma”. 

Por Dani Maia

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