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Violência nas escolas: como falar com crianças e adolescentes sobre o problema?

Violência nas escolas: como falar com crianças e adolescentes sobre o problema?

Violência nas escolas: como falar com crianças e adolescentes sobre o problema?

Nos últimos anos, os casos de violência nas escolas têm aumentado e assustado bastante. Tempos atrás, acompanhávamos o noticiário internacional que mostrava casos frequentes que aconteciam, por exemplo, nos EUA. Até que o Brasil começou a ter escolas envolvidas em casos de violência, também.

Um deles, que teve grande repercussão e talvez seja o primeiro a ser lembrado por muitas pessoas, foi o massacre que aconteceu em abril de 2011, na Escola Municipal Tasso da Silveira, em Realengo, na Zona Oeste do Rio, que chocou o país. O atirador, um ex-aluno do colégio, matou 12 crianças, feriu mais de dez estudantes e cometeu suicídio depois.

Em março desse ano, o caso mais recente: o ataque à Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo. O agressor esfaqueou dois alunos e quatro professoras, sendo que uma delas, a professora Elisabeth Tenreiro, de 71 anos, faleceu.

Perplexos, pais, alunos, escola e sociedade em geral acompanham o noticiário e se perguntam: por que isso tem acontecido com mais frequência? Outro grande questionamento é: como falar com crianças e adolescentes sobre o problema?

Para as psicólogas consultadas para essa matéria, é preciso estarmos todos bem atentos às chamadas violências cotidianas, aquelas que em geral acontecem e são tratadas de forma superficial, quase consideradas “normais” de se acontecer dentro das escolas, como por exemplo, a violência verbal, o bullying, o cyberbullying, brigas, agressões físicas e emocionais, racismo etc.

“A violência, muitas vezes, acontece de forma sutil. É a maneira que eu trato a pessoa quando quero mostrar domínio, controle sobre o outro; pode ser o xingamento, a brincadeirinha sem graça; pode ser o insulto e o deboche que acontece nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp da galera. Esses comportamentos vêm num crescente, vêm se intensificando e precisam ser pontuados, cortados. Se os pais e a escola não fazem essa intervenção, não enxergam que está acontecendo, isso cresce e sai do controle. A violência não é só a forma que aparece na TV, de forma tão explícita, não. Ela aparece de forma sutil e vai se intensificando, aumentando mais e mais”, afirma Cláudia Melo, psicóloga clínica e terapeuta cognitiva comportamental.

O núcleo familiar e a escola precisam atuar para coibir essas atitudes. E, claro, é essencial que haja sintonia nesse discurso. “Um lado não pode culpabilizar ou exigir que apenas o outro tenha responsabilidade nesse processo. É um caminhar de mãos dadas”, complementa Cláudia Melo.

Já Cláudia Canto e Mello, psicóloga e professora da Escola Start, uma escola profissionalizante na Gamboa, zona norte do Rio, lembra que a família é o primeiro contato e primeiro referencial das crianças. E é, portanto, do núcleo familiar que deve vir o primeiro exemplo de cuidado, atenção e bom trato entre as pessoas. “O grande problema é que a vida corrida, a sobrecarga de trabalho e o excesso de tela têm feito pais e mães se descuidarem desse processo ou delegarem para a escola essa responsabilidade. É preciso tempo, tolerância, respeito às diferenças, parceria, troca, diálogo. Tanto em casa, entre pais e filhos, quanto entre a família e a escola. Juntas, família e escola conseguem enxergar melhor o perfil dessa criança, desse jovem, e assim podem atuar melhor quando enxergam casos de violência acontecendo”, sinaliza Cláudia Canto.


Como falar sobre o assunto

Enxergada como uma questão cotidiana, a violência deve ser tratada de forma clara, objetiva e sem tabus. Seminários, rodas de conversas envolvendo toda a comunidade escolar (família, inclusive), discussão entre os alunos, filmes, jogos etc. Tudo o que possa agregar e trazer o assunto para o dia a dia da escola e desses jovens é salutar e muito benéfico, garantem as especialistas.

Além disso, é fundamental que haja nas escolas a presença de um psicólogo. “Existe uma lei que determina a existência de psicólogos e assistentes sociais na rede pública de educação básica, mas isso é uma realidade mais comum nas escolas particulares. A grande verdade é que a maioria não conta com o apoio desses profissionais”, adverte Cláudia Canto.

Mas, e quando a tal violência cotidiana extrapola, vira um ataque, um massacre dentro das escolas e amedronta a todos, como falar com crianças e adolescentes sobre o problema?

Para a psicóloga Elaine Alves, doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano e coordenadora do Núcleo de Intervenções Psicológicas em Emergências e Desastres (NIPED), é importante não fugir do assunto. Ignorar, fingir que nada aconteceu é o pior dos caminhos. É importante ouvir as demandas, os medos. Entender onde a criança ouviu a história, soube de quem, como? E ir falando, conversando, respondendo de acordo com o nível de cada questionamento, de acordo com a faixa etária de cada um é o melhor a ser feito. E, complementa ela, aproveitar o momento para se falar sobre diversos outros tipos de violência que acontecem e também ir pontuando explicações sobre o que procede ou não, sobre o que é boato ou fato real:

“É bom porque estimula o diálogo, faz a criança e o adolescente perceberem as violências distintas e às vezes não percebidas e também porque tira o foco só da escola”, explica Elaine salientando outro ponto muito importante: “É fundamental frisarmos que a escola é um ambiente seguro. Da mesma forma que falamos que nossa casa é nosso porto seguro, devemos deixar claro que a escola também é. Se render ao pânico é péssimo. O adulto precisa ter esse olhar, essa segurança para também passar aos filhos essa certeza de que sim, a escola é um ambiente seguro”, diz ela que, inclusive, acompanha famílias, alunos e funcionários da Escola Estadual Thomazia Montoro, em São Paulo, onde a professora atacada por um aluno morreu, em março desse ano.

Elaine também aconselha manter a rotina e não deixar que os alunos deixem de ir para a escola por causa do medo de ataques. “A rotina traz essa sensação de segurança. E é o que nos organiza”, diz ela.

Assim como sinalizaram Cláudia Melo e Cláudia Canto, Elaine Alves também afirma que, apesar de os ataques serem chocantes, a preocupação dos pais e das escolas deveria ser com as violências do cotidiano, como abusos físicos e emocionais, misoginia, racismo, preconceito religioso, e que o foco deve ser trabalhar a empatia e o respeito aos colegas e professores. E, dentro de casa, o caminho é o do diálogo com os filhos, aconselha ela. “A conversa franca, o convívio estreito, próximo, sem delegar. E o exemplo, também. Afinal, nossos filhos reproduzem o que aprendem em casa. E como é esse ambiente familiar? É um ambiente de escuta, de troca, de compreensão e de respeito? Enfim, é um estar atento ao outro e a você. É assim que construímos relações mais saudáveis entre todos”.

E caso o filho demonstre estar com medo de ir ao colégio, a recomendação é de que os pais também conversem com a escola. “Esse diálogo entre família e escola é importante e deve ser rotineiro. Em um momento de dificuldade extrema, de medo, como esse vivido agora com os ataques e com os boatos insuflando todo esse temor, uma boa relação entre escola e família vai facilitar bastante a condução do problema. Por exemplo, o apoio de um “adulto de confiança” na escola, que não precisa ser necessariamente o professor, pode ajudar o aluno que esteja mais inseguro. Pode ser um inspetor, uma coordenadora, um responsável pelo andar. Uma pessoa a quem a criança vá recorrer em momento de medo ou dificuldade.”


Dentro das escolas

Se em casa os pais/responsáveis têm papel importante nessa tentativa de combate às violências cotidianas, dentro das escolas, também há muito o que se pode fazer para minimizar os casos.

Uma boa gestão deve estar atenta a isso e, agindo preventivamente, com certeza conseguirá reduzir a incidência de casos de violência, tornando o convívio entre todos mais tranquilo e saudável no dia a dia da escola.

Nesse sentido, é imprescindível que haja na escola uma equipe multidisciplinar capacitada para lidar com as demandas emocionais e psicológicas trazidas e/ou demonstradas pelos alunos. Ter psicólogos e assistentes sociais é fundamental. “Esse profissional não pode ser um profissional de gabinete, não. Aquele que só atende pais e alunos em sua sala, sabe? Esse profissional tem que circular pela escola, tem que se mostrar presente, acolhedor e receptivo. Tem que ter escuta e troca com os alunos. Só assim ele poderá, de fato, conhecer os alunos e enxergar possíveis demandas explodindo, questões que muitas vezes nem o professor e nem os pais conseguiram enxergar”, analisa Cláudia Canto e Mello.

Investir em campanhas de conscientização sobre o que é e como funciona o bullying. Qual o perfil dos atores envolvidos, como agem e por quê? Fazer a discussão nas turmas, trabalhá-la de maneira micro e estendê-la de forma macro a toda a comunidade escolar, envolvendo também pais e responsáveis. “Em geral, roda de conversas e exibição de filmes temáticos com abertura para debate funcionam bem porque estimulam a participação de todos e com isso trazem resultados melhores”, diz Cláudia Melo.

Outro ponto fundamental, dizem todas as especialistas, é a cooperação família e escola. A troca, o diálogo, o bom relacionamento. ““Quando família e escola divergem radicalmente sobre uma visão de mundo e/ou sobre um caminho a tomar sobre tal acontecimento, temos um grande problema, claro. Se isso é pontual, vamos tentar um caminho do meio, mas se isso é a regra, se isso sempre acontece, é importante a escola se posicionar, frisar os combinados e as regras sem ceder às vontades da família”.

E, finalizando as dicas, a opção importante de essa escola apostar, também, em atividades lúdicas, que favoreçam a expressão de seus alunos, os façam falar, se movimentar, se colocar no mundo, conhecendo e respeitando suas vivências, seus sentimentos e também conhecendo e respeitando a vivência e o sentimento do outro. Teatro, esporte, literatura, música, passeios culturais, debates, jogos, filmes, séries etc. “Tudo o que possa fazer essa garotada interagir de maneira prazerosa e respeitosa, se apropriando da linguagem e do universo que elas conhecem e gostam, ajuda bastante. Faz com que se encorajem a falar, se expor, gera debate, troca, cumplicidade, respeito, escuta. Favorece o olhar da escola sobre esse aluno e favorece também o bom relacionamento entre os alunos, entre os colegas. Um ambiente assim promove uma melhor saúde mental dos alunos, desenvolvendo as competências socioemocionais dos estudantes de forma positiva, respeitosa, agregadora e melhor para todos, dentro e fora dos muros das escolas”, afirma Elaine Alves.


Escrito pela jornalista Dani Maia.

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