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Inclusão: é utopia construir uma escola para todos?

Inclusão: é utopia construir uma escola para todos?

Inclusão: é utopia construir uma escola para todos?

A educação é direito de todo cidadão e cidadã, estando garantida pela Constituição Federal. Por isso, pessoas com deficiência física ou mental devem ter acesso ao conhecimento básico e poder frequentar escolas regulares. Na prática, no entanto, assegurar um ambiente inclusivo de fato nas instituições de ensino é um grande desafio. É preciso que as escolas e as famílias estejam preparadas para atuar em conjunto a fim de cumprir este objetivo.

Além da Constituição Federal, as pessoas com deficiência estão protegidas, desde 2015, pela Lei Brasileira de Inclusão (LEI No 13.146/2015). O Art. 8o da legislação diz que é dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos, o que inclui a educação. O Brasil também é signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para além de cumprir deveres, promover a inclusão na escola incentiva um ambiente de união e respeito às diferenças, além de permitir que os estudantes com deficiência sintam-se acolhidos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país tem 17,3 milhões de pessoas com deficiência ou 8,4% da população em geral. Destes, 67% não frequentaram a escola ou têm o ensino fundamental incompleto. São números que mostram que há muito a se fazer.


Desafios da inclusão

Para oferecer ambientes acessíveis, as escolas precisam planejar mudanças na infraestrutura, incluindo rampas ou elevadores; escadas com corrimão; banheiros com barras de apoio; sinalização em braile nos espaços, só para dar alguns exemplos. Os gestores também devem promover programas de qualificação docente e criar ações institucionais que abordem o tema da inclusão, além de investir em ferramentas tecnológicas e materiais didáticos que trabalhem a inclusão.


Um olhar especial

Diana Quintella é diretora e sócia da escola de Educação Infantil MiniMe, que é referência no trabalho de inclusão de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Para a gestora, a escola é um local de acolhimento em essência. “Não tem escola inclusiva ou não inclusiva, tem escola! Escola de crianças, para crianças, onde há o entendimento que todos ali são diferentes e precisam de um olhar especial: uma criança mais tímida precisa de um tipo de abordagem, a criança mais agitada também, a criança com alergia alimentar precisa de atenção especial, a criança com TEA também. O autismo é só mais uma característica da criança. A nossa proposta é acolher a todos e preparar toda a equipe para lidar e valorizar a diferença”, explica.

A diretora conta que a escola trabalha com mediação para todas as crianças neurotípicas. “A mediadora é uma profissional capacitada para atuar no auxílio da integração social e pedagógica da criança neurotípica, adaptando os materiais com recursos para tal, elaborando a documentação necessária para o acompanhamento efetivo do desenvolvimento dessa criança.

Além disso, toda a equipe da escola passa por treinamentos que fornecem conhecimento e ferramentas para atuar com a inclusão”, destaca. Diana diz que o envolvimento das famílias é fundamental e, para isso, a escola mantém proximidade por meio de reuniões periódicas com as orientadoras, professoras, mediadoras e terapeutas que acompanham estas crianças. “Promovemos também formações com as famílias, que chamamos de roda de conversa”, acrescenta.

A educadora ressalta que em uma escola inclusiva de verdade todas as crianças entendem que a diferença deve ser valorizada, pois lidar com pessoas diferentes faz parte do viver em sociedade. “A inclusão ensina sobre empatia, sobre respeito, sobre humanidade. Valores que precisam ser trabalhados e ensinados desde a primeira infância”, reforça.


Caminhada de altos e baixos

A luta pela inclusão é uma tarefa constante para a professora de Educação Física Cecília Vileroy. Ela é mãe de Noah, 13 anos, que tem síndrome de down. O menino estudou em duas escolas até hoje: primeiro em uma creche e agora está no Colégio de Aplicação da UERJ, no Rio Comprido, Zona Norte do Rio.

Cecília conta que teve receio de colocar Noah em um colégio conteudista (prioriza a transmissão de conteúdos), mas foi convencida pelo pai dele, que é professor da UERJ, a tentar o sorteio. Como o filho foi sorteado, Cecília aceitou matriculá-lo. “Noah entrou lá em 2017. Quando fui à primeira reunião com a coordenadora de inclusão do colégio fiquei encantada. O Fundamental I, que vai até o quinto ano, tem um projeto de inclusão lindo. Eles fazem uma bi-docência, que são dois professores por turma, e mais uma mediação, que não é só para o aluno com deficiência, é uma mediação para a turma como um todo. É para a turma entender a presença do Noah e para a professora também facilitar a vida acadêmica dele. Todo material era adaptado, havia relatórios trimestrais ou bimestrais. A gente fazia reuniões sempre. Foi muito bacana. O único problema foi que teve a pandemia e o CAP ficou dois anos sem aula presencial. Esse período foi bem difícil”, afirmou.

Cecília diz que o filho foi a primeira criança com síndrome de Down no CAP. “Ele foi muito esperado pelas professoras. Então, foi um início muito diferente da realidade que eu via nas outras escolas, principalmente nas escolas particulares. Muitas amigas tiveram vaga negada depois que falaram sobre a deficiência dos filhos. Meu processo foi bem diferente”, observa.

Cecília relata, porém, que o cenário mudou quando Noah passou para o ensino fundamental II. “Ele está no 7o ano e agora tem 12 professores. Quando você aumenta esse número, percebe que nem todos os professores são engajados na inclusão. Nesta fase, a adaptação não foi tão fácil, começou a acontecer uma distância de desenvolvimento com tantos professores, cada um com a sua maneira de trabalhar”, explica.

Sobre as escolas estarem preparadas para receber alunos com deficiência, Cecília diz que é preciso muita cobrança para se fazer cumprir a Lei Brasileira de Inclusão. “Eu costumo dizer que a gente está metendo o pé na porta para abrir esse caminho”, afirma.

“Tem escolas que limitam o número de crianças com deficiência. A gente ainda tem um longo caminho. A verdade é que nós, seres humanos, precisamos entender que a diversidade existe e que ela é boa para todo mundo. A escola precisa ser diversa e estar preparada para essa diversidade”, ressalta.

Agora que Noah está na adolescência, Cecília teme pela solidão. “Ele começa a não ter tantos amigos, e aí eu estou na busca dos pares dele, de ter o grupinho de crianças com deficiência para se relacionar”.

Nesta busca, tornou-se uma das organizadoras da ONG Juntos, formada por mães de pessoas com deficiência. “Tentamos fazer esse trabalho de conscientização, de educação, de sensibilização sobre o universo da pessoa com deficiência. Acreditamos no diálogo e na informação como fonte valiosa para mudar, para derrubar os preconceitos”, explica.


Luta por um mundo anticapacitista

Paula Ramos é mãe de um adolescente e de Clarisse, 24 anos, uma jovem que possui uma síndrome rara chamada cri-du-chat. É professora na UFRJ, onde pesquisa sobre o tema deficiência nos currículos de formação de professores e profissionais da saúde. Assim como Cecília, é uma das mães organizadoras da ONG Juntos.

O nascimento de Clarisse, em 1999, mudou a vida da família. “A gente recebeu o diagnóstico pouco depois que ela nasceu e, imediatamente, começou todo um trabalho de estimulação precoce. Eu comecei a tentar entender sobre a síndrome, os desafios... Foi tudo muito difícil, eu tinha 20 anos, ainda estava terminando a faculdade, na época não tinha internet como temos hoje. Então, a busca por informações era muito complicada... os médicos diziam que ela não iria andar, falar, que iria viver pouco...”, contou.

“Eu posso dizer que tudo começou no dia em que ela nasceu. A partir dali eu me vi completamente envolvida com a inclusão. Quis atuar da melhor forma possível em termos de tratamento, educação, saúde, lazer... uma infância feliz”, completou.

Nesta caminhada, Paula entendeu que a história de Clarisse seria escrita por ela e com a família. “A gente foi aprender língua de sinais. Essa foi a primeira linguagem que ela adquiriu. A gente tinha que se pautar muito mais pelas possibilidades dela do que pelos desafios que ela encontraria”, diz, acrescentando que mais tarde a menina aprendeu a falar, mas não conseguiu se alfabetizar.

Clarisse cursou escola regular até os 13 anos, embora tenha nascido antes da Lei Brasileira de Inclusão. “Nesse momento da adolescência foi muito difícil porque a Clarisse tinha questões de aprendizagem. Chegou a um ponto em que eu estava pagando escola, pagando mediador, pagando alguém para preparar o mediador e a inclusão não estava acontecendo. Ela começou a ficar ansiosa e angustiada. E chegou um momento em que a Clarisse estava realmente em sofrimento. Com isso, a gente tirou da escola regular”, lembra Paula.

Desde então, Clarisse estuda na escola Eduardo Guimarães, que é considerada de vanguarda no trabalho com pessoas com deficiência. “Ela tem uma turma de jovens da idade dela e eles fazem uma série de projetos com ioga, produção de oficinas culinárias e passeios. Tem a parte acadêmica também, mas é menos formal. Ela é muito feliz lá”, diz.

Paula acha que a educação inclusiva ainda está muito distante de acontecer. “Infelizmente, a nossa sociedade ainda está despreparada para uma inclusão plena e digna, mas eu acredito nas utopias. Paulo Freire já dizia que a utopia é o que faz a gente seguir além, imaginar outros futuros. As utopias servem para guiar nossas ações”, reflete.

Para Paula, viver em um mundo inclusivo e anticapacitista é um caminho longo, que tem que ser coletivo e organizado. “A saída é ocupar todos os espaços; ter pessoas com deficiência em todos os espaços. A gente precisa cada vez mais pensar em acessibilidade, em quebrar barreiras. A gente precisa entender que é a sociedade que precisa mudar para incluir as pessoas com deficiência. Não são as pessoas com deficiência que precisam mudar para se encaixar na sociedade”, opina.

Para as escolas e famílias que tiverem interesse em buscar a inclusão, Paula e Cecília informam que a ONG Juntos promove anualmente um fórum, faz encontros para as famílias e realiza palestras de conscientização e sensibilização em escolas. O contato pode ser feito por meio do Instagram @juntos_grupo.


Onde buscar qualificação

Escolas do Rio de Janeiro que tenham crianças autistas também podem contar com um novo espaço, chamado Team Terapias Especiais, que funciona na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. A clínica faz uma abordagem terapêutica multidisciplinar para crianças no espectro do autismo. “É feita uma intervenção precoce e personalizada, adaptada às necessidades únicas de cada indivíduo. Seguimos um "tripé" com três pilares: envolvimento familiar, desenvolvimento global da criança e bem-estar profissional. O objetivo é promover o máximo desenvolvimento e qualidade de vida para indivíduos com autismo”, diz Raphael Albergarias, sócio-fundador da Team.

Além de atendimento às crianças com autismo, a clínica está preparada para dar treinamento aos profissionais que trabalham em escolas. O endereço do Instagram é @teamterapias


Por Tais Faccioli

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