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É preciso impor limites às crianças e jovens?

É preciso impor limites às crianças e jovens?

É preciso impor limites às crianças e jovens?

A responsabilidade da família e o papel da escola no equilíbrio dessa equação

Crianças são curiosas, muitas vezes agitadas, barulhentas, bagunceiras, destemidas, questionadoras... Esses são comportamentos comuns na infância. No entanto, algumas crianças não aceitam respeitar limites. É nesse momento que a família precisa agir. Cabe aos pais ou responsáveis mostrar o que é certo e o que é errado. É possível estabelecer limites de modo sereno e gentil, porém sempre com firmeza e autoridade, com base no diálogo.

A escola deve continuar o trabalho efetuado em casa, mostrando que também tem regras que precisam ser seguidas e respeitadas. No entanto, isso nem sempre funciona na prática. O Blog Villas Boas ouviu especialistas para saber como equilibrar essa equação. Todas as profissionais que conversamos apontaram, de maneira unânime, que o importante é prevalecer a parceria entre família e escola todas as vezes que surgirem impasses nessa caminhada.


Olhar de mãe e profissional da educação

Renata Rossi é diretora do Centro Educacional Cultivando o Futuro, tem formação em psicologia, é especializada em gestão escolar e atuou alguns anos em sala de aula, além de ser mãe de dois meninos, o caçula de 8 e o mais velho de 22 anos. Ela vê com preocupação, por exemplo, a reação de algumas famílias quando o aluno é chamado atenção ou cobrado por algo: “Eu com 47 anos, me recordo do período em que o professor era efetivamente visto como mestre. Hoje em dia eu não percebo esse olhar por parte das crianças e jovens em relação aos professores. A questão da autoridade fica muito perdida. Quando uma criança recebe um ‘não’ de um professor, muitas vezes a demanda que essa criança escuta é: por que ele fez isso com você? E não ao contrário: o que você fez para que o professor chamasse a sua atenção?”, observa.

Para a educadora, questões associadas a limites que fogem do aprender dentro de uma escola, envolvem diretamente os responsáveis pelos alunos. “A família tem um papel crucial, em parceria com a escola, no que se refere à questão da educação. Nós crescemos ouvindo que a educação vem de casa. Sim, vem de casa. A família dá todo o acolhimento, orientações sobre limites, respeito... Uma vez que a criança chega à escola tendo esse olhar de respeito ao outro, de responsabilidade, a escola entra com o papel de amparar tudo que essa família desenvolveu com a criança e atua no contexto social da inclusão, da educação em termos de aprendizado. Essa relação precisa ser de confiança”, reforça.

A professora de Língua Portuguesa e Redação dos colégios Mopi e São Bento, Tatiana Nunes, também percebe que há muitas crianças, adolescentes e jovens com dificuldade de reconhecer a autoridade dos professores nos dias atuais. “Eu acho que essa questão passa pela própria falta de referência em casa. Muitas famílias, sem querer generalizar, tiram essa autoridade do professor no momento em que o estudante reclama alguma coisa, por exemplo: ‘brigou comigo porque eu não fiz o trabalho de casa’ e a família vai questionar por que o professor brigou e não por que o filho não fez o trabalho de casa. Então eu acho que, na verdade, os jovens têm dificuldade de reconhecer autoridades de um modo geral, porque a primeira autoridade, que seria a referência da casa – pai / mãe – muitas vezes não se impõe como tal. E, especialmente o professor, que na nossa sociedade está sendo tão massacrado, ele reconhece menos ainda”, analisa.

Tatiana acha fundamental que a família, a escola e os professores estejam vinculados, estejam em parceria de fato. “É importante que as famílias entendam que o professor não é um inimigo. Quando ele chama a atenção do filho é porque quer que ele melhore. É muito mais fácil chegar numa sala de aula e ignorar determinadas situações. Se um garoto quer dormir, deixa ele dormir. Ah, ele não quer fazer o trabalho? Então deixa ele não fazer o trabalho. Isso é muito mais fácil. Agora, quando a gente está lá na luta para aquele menino acordar, para aquele estudante fazer o trabalho é porque a gente tem vontade que ele progrida. No magistério é assim: 90% dos professores, eu arrisco essa porcentagem, são pessoas que estão ali porque gostam do que fazem. Então, a probabilidade de seu filho estar sendo chamado a atenção porque alguém se preocupa com ele é muito grande”, ressalta.


Abordagem colaborativa entre família, escola e profissionais de saúde mental

Para a psicóloga Cláudia Melo, é preciso olhar com amplitude o comportamento de um aluno com dificuldade de reconhecer limites. “Olhar para a família é uma maneira de observar se ocorre o mesmo dentro dela. O não reconhecimento da autoridade dos professores por parte de crianças e jovens pode ser influenciado por diversos fatores, como falta de limites claros em casa, padrões de comportamento aprendidos, ausência de consequências para a quebra de regras, questões emocionais não resolvidas, influência de modelos negativos, entre outros. É crucial reconhecer e abordar as questões emocionais e comportamentais subjacentes, promover a empatia, a comunicação assertiva, a comunicação não violenta, a resolução de conflitos e o fortalecimento da autoestima dos alunos”, pontua.

Quando se está diante de um problema concreto, Cláudia enfatiza que o psicólogo pode atuar auxiliando na identificação das causas do comportamento desafiador, no desenvolvimento de habilidades socioemocionais e na criação de estratégias eficazes para lidar com essas situações. “A família funcional desempenha e ajuda no processo dessa relação na promoção do respeito à autoridade e no estabelecimento de limites adequados. Os pais têm a responsabilidade de ensinar valores, normas de conduta, respeito mútuo, empatia, responsabilidade e a importância do cumprimento de regras, além de oferecer suporte emocional e orientação positiva para o desenvolvimento saudável das crianças.

A parceria é fundamental. O papel dos pais e o da escola são complementares no estabelecimento de limites e na promoção do respeito à autoridade. Os pais são responsáveis por ensinar valores e comportamentos adequados em casa, enquanto a escola deve reforçar esses princípios, promover um ambiente seguro e acolhedor, e estabelecer regras claras e consequências consistentes para comportamentos desrespeitosos”, sinaliza.

A especialista reforça, ainda, a necessidade de uma abordagem colaborativa entre família, escola e profissionais de saúde mental para lidar com questões de desrespeito à autoridade. “A comunicação aberta, o trabalho em equipe e o suporte mútuo são essenciais para promover um ambiente educacional saudável e positivo para o desenvolvimento integral das crianças e jovens”, completa.


Dicas práticas para famílias e escolas

A coordenadora pedagógica da Escola de Educação Infantil Minime, Mônica Caldas, também é assertiva ao apontar que a falta de rotina dentro de casa e\ou no espaço escolar pode dificultar o processo de compreensão e internalização dos limites, que são construídos desde cedo. “Os combinados com as crianças precisam ser claros e objetivos, de acordo com a faixa etária. Como educadoras, utilizamos inúmeros recursos que nos facilitam nesse processo, tais como: músicas, jogos, flashcards que auxiliam como marcadores da rotina, livros que abordam essa temática e conversas coletivas com o objetivo de transmitir valores e sensibilizar os pequenos para conviverem de forma harmoniosa”, sugere.

Mônica relata que estudos recentes mostram que as práticas mais efetivas nesses casos são ferramentas de conexão com a criança, como estar na mesma altura que ela e relembrando-a de todos os combinados que foram previamente construídos pelo grupo no início do ano letivo. Para isso, é importante que o educador coloque em um espaço acessível e visível na sala essa lista de regras de convívio, facilitando a assimilação delas.

“Assim, podemos afirmar com segurança que é adequado e recomendável trabalhar o emocional dos alunos, pois uma vez que as regras não são cumpridas, existe um sentimento de frustração ou de inadequação naquela criança. Será necessário, então, acolher esse sentimento, fazendo a leitura da situação, nomeando e identificando o sentimento expressado pela criança, instrumentalizando-a a agir de uma maneira mais adequada, ressaltando a importância dos combinados. Isso mostra também a importância de instrumentalizar a equipe para utilizar os recursos necessários para a internalização das regras, aproveitando os momentos conflituosos do dia a dia como uma oportunidade de ensinar, de transmitir valores e sempre validando a capacidade da criança de poder reparar suas ações. É fundamental ter atenção para o acolhimento aos sentimentos da criança, mostrando alternativas adequadas de comportamento frente aos desafios do cotidiano”, indica a especialista.


Reuniões periódicas

A coordenadora pedagógica reitera que a família e a escola precisam estar sempre alinhadas, caminhando juntas. “Se houver divergências entre a abordagem da escola e da família, pode gerar na criança uma dupla mensagem. Na nossa prática, observamos que, quando isso acontece, a criança reage com comportamentos confusos e oscilantes. Por isso, é importante que encontros sistemáticos com as famílias aconteçam para alinhamento de estratégias de atuação”, acrescenta.

Mônica aconselha, por fim, que é fundamental refletir sobre as intervenções no dia a dia, sem ser autoritário ou permissivo. “Mesmo que pareça desafiador, como educadores, temos o dever de encontrar um equilíbrio entre estes dois pontos para que a criança internalize efetivamente as regras sociais. Os educadores devem assumir autoridade sem serem autoritários, bem como cumprir os combinados e explicar a importância deles para a harmonia individual e coletiva. Acreditamos que dar limites é um ato de amor e, como tal, traz benefícios e ferramentas elementares para uma sociedade melhor”, conclui.


Por Tais Faccioli

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